domingo, 25 de outubro de 2009

AS RUÍNAS CIRCULARES

Adicionar imagem

Da leitura do conto de Jorge Luiz Borges

AS RUÍNAS CIRCULARES
“somos do mesmo material do que se
tecem os sonhos, nossa pequena vida está
rodeada de sonhos”- W. Shakespeare.

Num Templo, numa Arena, num Anfiteatro...
Há um homem e ele sonha.
Viajante exaurido ele adormece, decidido.
Não é o corpo viajado e machucado que o leva ao sono.
Delibera a si mesmo adormecer.
De onde veio, ele não conta
E nem é preciso saber.

Há um homem: ele sonha!
Está num Templo, numa Arena, num Anfiteatro...
Sua mente e seu coração embalam uma vontade.








Feridas são contraídas na escalada para chegar
Ao Templo, à Arena, ao Anfiteatro...
Ele é um Homem. Um homem que sonha.

Ele sonha e por isto faz a escalada:
Vai ao Templo, à Arena, ao Anfiteatro...
Sua chegada é remédio cicatrizante:
Ele encontra sua Mandala!!!

Conhece Lodo, Pedra, Fogo, Luz, e quer Água...
Busca a energia misteriosa para a sua realização.

Ele sonhou um sonho sonhado?

É no Templo, na Arena, naquele Anfiteatro
Que o homem encontra ruínas por toda parte.
Lá, conversa com seus fantasmas.
Lá no Templo, na Arena daquele Anfiteatro
O sonhador perdoa os seus fracassos
Retoma o seu propósito.
Constrói o seu sonho tão sonhado:
Um homem “com integridade minuciosa e impô-lo à realidade”!

“Mil e uma noites secretas” foi o Tempo
Lá na Arena, no Templo do Anfiteatro
Até pronunciar as “sílabas lícitas da palavra poderosa”
Quando deu vida ao seu Sonhado.

Porém, numa cinzenta manhã
Criatura e Criador experimentam o incêndio
Sem sentir o seu calor
Combustão fria
do deus Fogo que os animou.

Lá no Templo, na Arena, no Anfiteatro
Não há morte para o Sonhado e Sonhador
Há ruínas...
De que material foi tecido este Sonhado?

Onde está o seu Templo, minha Arena, nosso Anfiteatro?
E a Criatura, o Sonhado?
Tem “alma merecedora do Universo”?
E, que vida terá o nosso Sonhado?
Rita Marques
Confraria da Leitura, setembro de 2009.


Nota: mandala: palavra sânscrita que significa círculo, uma reprodução geométrica da dinâmica relação entre o homem e o cosmo. O simbolismo da santidade e eternidade do templo aparece na estrutura mandálica dos santuários de todas as épocas e civilizações. Dá forma não apenas às cidades, aos templos e aos palácios reais, mas também à mais modesta habitação humana, pelas populações primitivas.
Representa para o homem o seu abrigo interior.

A Causa Secreta

Há alguns anos, quando li o conto “A Causa Secreta”, estava muito aborrecida com uma colega de trabalho.
Intrigava-me com seus comentários sobre algum fato desagradável, por vezes grave, que acontecia com outros colegas e até mesmo com parentes e conhecidos dela.
A forma como os comentava parecia-me dissimulada, como se ela quisesse dizer “bem feito...” – “ainda bem que não foi comigo...” ainda que suas palavras fossem de lamento.
Quando estava à beira de lhe dizer sobre meu aborrecimento, e, elaborava um jeitinho para fazê-lo, li “A Causa Secreta”.
Este conto ajudou-me a refletir melhor sobre as possíveis razões de muitas pessoas “sossegarem suas almas” ao verem o sofrimento alheio, como a referida colega.

A história contada em l885, por Machado de Assis, na “Gazeta de Notícias” e publicada 10 anos mais tarde em sua coletânea de contos “Várias Histórias”, aborda um aspecto sombrio da alma humana: A CRUELDADE.
No conto, que se passa em 1862, o requinte da crueldade revela não uma face do humano, mas apenas de alguns homens: A PERVERSIDADE.
E minha colega de trabalho não era perversa. Isto não!
Entretanto, a arte como Machado narra a história me possibilitou refletir sobre os disfarces que a maldade se apresenta no cotidiano, nas relações triviais e por vezes solidárias na dor alheia.
O protagonista, o dono da “causa secreta”, é um monstro muito bem disfarçado em um homem de bem, pronto a ser solidário ao sofrimento alheio. Um falso caridoso, que sente um secreto prazer em acompanhar a tragédia do outro.
Vale a pena ler. Leiam-no!
Considerado por vários escritores renomados como um dos melhores contos de Machado, “A Causa Secreta” também recebeu edição única e compõe diversas coletâneas. Sofreu adaptação para o cinema e para a rádio BBC de Londres.

Através do olhar observador de Garcia, o bom médico do conto, é que a narrativa nos convoca a refletir sobre o porquê da maldade e especialmente, da maldade tão gratuita.

Na leitura que fiz, há anos atrás, refletindo sobre a pista que o conto trazia, que há uma “causa secreta”: percebi que, talvez, o ser humano, por estar sempre vulnerável às mazelas da vida, conforta-se ao perceber que a vítima de um mal não é ele e sim um outro. Não deseja o mal aos outros, mas é como se entendesse que “já que é inevitável, já que alguém tem de sofrer, porque a vida é assim, que seja outro...”.
É o que penso, também, sobre a estranha curiosidade das pessoas que, sem a menor chance de ser solidária aos que sofrem acidentes, permanecem como seus espectadores.
Ao refletir por este prisma, embora o conto, necessariamente, não nos leva para este caminho, assim segui, através do grande mote: “a causa secreta”.
Passei a compreender e perdoar a atitude de minha colega de trabalho ao comentar as tragédias alheias. E de uma coisa eu tinha certeza: ela estava longe de ser um Fortunato do Conto!
E, se convivo com alguns “Fortunatos”, não tenho dúvida. Por vezes, consigo flagrá-los no meu caminho.


Agora, em agosto de 2009, releio o conto para compartilhar as impressões com os Confrades da Leitura: e é um novo aprendizado, através dos comentários no nosso encontro e do texto de Leandra!

Estamos num tempo em que a crueldade parece não ser mais o lado sombrio da alma humana, um lado que deve ser ofuscado, conscientemente, nas relações entre os indivíduos e no próprio desenvolvimento do ser humano, como tal.

Ela tomou um outro aspecto, porque é o sombrio que está sendo iluminado: a crueldade se mostra como exemplo, para ser copiada, ser invejada, disseminada...
Parece que a aberração pode se tornar uma via de regra...
Imita-se as atitudes mais perversas que as manchetes trazem a público:
crianças morrem, com requintes de crueldade (muitas vezes pelos seus próprios pais). Filhos matam seus pais ou os exploram. Crimes são cometidos de forma premeditada, por pessoas que se diziam apaixonadas. A maioria dos políticos rouba o povo de forma escabrosa e escandalosa, e ainda assim, são reeleitos. Profissionais da Saúde formam quadrilhas para fraudar e roubar, como também, no exercício de seu nobre trabalho, aniquilam a dignidade da pessoa que confia em seus cuidados. Compra-se produtos roubados ou “piratas”, como se fosse lícito. Assiste-se a inúmeros programas do tipo “video-cassetada” como entretenimento, que é uma forma sutil e perigosa de educar a alma para saborear o sofrimento alheio, assim como o Fortunato do conto de Machado.
Ah! E tantos outros crimes... mas há quem ousa duvidar se são ou não crimes.

Fica, então, a pergunta:

Qual é a “causa secreta” da nossa sociedade para conviver com estas atrocidades?

Eu, que me incomodei tanto com a colega de trabalho, há anos atrás, sinto que, hoje, deveria me incomodar mais com o que dita a nossa atmosfera social.

Esta “causa secreta” parece ser uma doença psicossocial, e, por isto devemos estar atentos e encará-la, buscando um contraponto, sob pena de sermos vítimas, duplamente.
Isto é, sob pena de não só nossa vida estar contaminada por ela, como já está, mas a nossa Essência, enquanto humanos.

Porque não sejamos ingênuos: somos tão humanos, tão vulneráveis como qualquer outra pessoa.

E a “causa secreta”, creio eu, é secreta até mesmo de seu protagonista.

De: Rita Marques. Em setembro/09.
Para: Confraria da Leitura de agosto de 2009. .